BLOGGER TEMPLATES AND TWITTER BACKGROUNDS »

17.12.11

Lançamento de "As Verticalidades de Barroso/As Horizontalidades de Barroso" em Boticas



As Verticalidades de Barroso/As Horizontalidades de Barroso

29.11.11

Exposição "Verdades Subjetivas"

21.11.11

Limites...



A Solidão é Sempre Fundamento da Liberdade

A solidão é sempre fundamento
da liberdade. Mas também do espaço
por onde se desenvolve o alargar do tempo
à volta da atenção estrita do acto.
Húmus, e alma, é a solidão. E vento,
quando da imóvel solenidade clama
o mudo susto do grito, ainda suspenso
do nome que vai ser sua prisão pensada.
A menos que esse nome seja estremecimento
— fruto de solidão compenetrada
que, por dentro da sombra, nomeia o movimento
de cada corpo entrando por sua luz sagrada.

Fernando Echevarría, in "Sobre os Mortos"

20.11.11

Árvore do silêncio...



Perpetuar o Silêncio

Já nada há de inofensivo. As pequenas alegrias, as manifestações da vida que parecem isentas da responsabilidade do pensamento não só têm um momento de obstinada estupidez, de autocegueira insensível, mas entram também imediatamente ao serviço da sua extrema oposição.
Até a árvore que floresce mente no instante em que se percepciona o seu florescer sem a sombra do espanto; até o "como é belo!" inocente se converte em desculpa da afronta da vida, que é diferente, e já não há beleza nem consolação alguma excepto no olhar que, ao virar-se para o horror, o defronta e, na consciência não atenuada da negatividade, afirma a possibilidade do melhor. É aconselhável a desconfiança perante todo o lhano, o espontâneo, em face de todo o deixa-andar que encerre docilidade frente à prepotência do existente.
O malevolente subsentido do conforto que, outrora, se limitava ao brinde da jovialidade, já há muito adquiriu sentimentos mais amistosos. O diálogo ocasional com o homem no combóio, que, para não desembocar em disputa, consente apenas numas quantas frases a cujo respeito se sabe que não terminarão em homicídio, é já um elemento delator; nenhum pensamento é imune à sua comunicação, e basta já expressá-lo num falso lugar e num falso acordo para minar a sua verdade. De cada ida ao cinema volto, em plena consciência, mais estúpido e depravado. A própria sociabilidade é participação na injustiça, porquanto dá a um mundo frio a aparência de um mundo em que ainda se pode dialogar, e a palavra solta, cortês, contribui para perpetuar o silêncio, pois, pelas concessões feitas ao endereçado, este é ainda humilhado [na mente] do falante.

O funesto princípio que já sempre reside na condescendência desdobra-se no espírito igualitário em toda a sua bestialidade. A condescendência e o não ter-se em grande monta são a mesma coisa. Pela adaptação à debilidade dos oprimidos confirma-se, em tal fraqueza, o pressuposto da dominação e revela-se a medida da descortesia, da insensibilidade e da violência de que se necessita para o exercício da dominação.
Se, na mais recente fase, decai o gesto da condescendência e se torna visível apenas a igualação, então tanto mais irreconciliavelmente se impõe em tão perfeito obscurecimento do poder a negada relação de classe. Para o intelectual, a solidão inviolável é a única forma em que ainda se pode verificar a solidariedade. Toda a participação, toda a humanidade do trato e da partilha são simples máscara da tácita aceitação do inumano. Há que tornar-se consonante com o sofrimento dos homens: o mais pequeno passo para o seu contentamento é ainda um passo para o endurecimento do sofrimento.

Theodore Adorno, in "Minima Moralia"

16.11.11

Livro

As Horizontalidades de Barroso



As Verticalidades de Barroso




Lançamento do meu primeiro livro muito brevemente. Deixo aqui as fotos das capas....pois irá ter duas.

É a vida...



Por Todos os Caminhos do Mundo

A minha poesia é assim como uma vida que vagueia
pelo mundo,

por todos os caminhos do mundo,
desencontrados como os ponteiros de um relógio velho,
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar
num jardim nocturno,

ora um deserto que o simum veio modificar,
ora a miragem de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados, sem forças para além.

Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
o rumo e a hora de o atingir,
a tranquilidade de quem tem na mão o profetizado
de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
a doçura de quem nada tem a regatear,
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.

Na minha vida nem sempre a bússola se atrai ao mesmo
norte.
Que ninguém me peça nada. Nada.
Deixai-me com o meu dia que nem sempre é dia,
com a minha noite que nem sempre é noite
como a alma quer.

Não sei caminhos de cor.

Fernando Namora, in 'Mar de Sargaços'

23.10.11

Ondas do ondear revolto...



Noite de Sonhos Voada

Noite de sonhos voada
cingida por músculos de aço,
profunda distância rouca
da palavra estrangulada
pela boca armodaçada
noutra boca,
ondas do ondear revolto
das ondas do corpo dela
tão dominado e tão solto
tão vencedor, tão vencido
e tão rebelde ao breve espaço
consentido
nesta angústia renovada
de encerrar
fechar
esmagar
o reluzir de uma estrela
num abraço
e a ternura deslumbrada
a doce, funda alegria
noite de sonhos voada
que pelos seus olhos sorria
ao romper de madrugada:
— Ó meu amor, já é dia!...

Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"

22.10.11

Olhar distante...




Teus Olhos Entristecem

Teus olhos entristecem
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.

Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.

Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.

Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estás a pensar,
Já quase não sorrindo.

Até que neste ocioso
Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inútil.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

21.10.11

Os Homens Gloriosos...



Os Homens Gloriosos

Sentei-me sem perguntas à beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mãos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado.

Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relâmpagos,
ah, sem relâmpagos...
pegajosas de lodo e sangue denso.

Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente!

Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas!

Antes o murmúrio da dor, esse murmúrio triste e simples
de lágrima interminável, com sua centelha ardente e eterna.

Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicável,
em pedra sem respiração.

Quebra-me no giro dos ventos e das águas!
Reduze-me ao pó que fui!
Reduze a pó minha memória!

Reduze a pó
a memória dos homens, escutada e vivida...

Cecília Meireles, in 'Mar Absoluto'

20.10.11

Banho dos sentidos...



Veio Tudo de Longe

Veio tudo de longe para ser
uma só coisa, nupcial e magnífica.
Caminho e tenda. O mar. Livros. A indizível
matéria da dor. Ternura
cercada e repartida, pouco
a pouco, à mesa rápida
dos lábios, clandestina voz baixa
das mãos juntas. Sobreviventes
de invernos, dúvidas, denúncias.
E o teu sorriso honrado. A oferta
duplicada e vulcânica
dos seios. Esta noite que nos pôs
à prova. Sobre o vento e o repouso
do vento. E a música ainda cheia
de muitos outros quartos. Sim, a importância
do teu rosto: alvo claro deste mês
desmedido que nós somos.

Veio tudo de longe para ser
uma só coisa, sagrada e partilhável.

O banho comum gradual e abundante
dos sentidos. As faces que só tenho
entre o convívio doce dos teus dedos
sempre em férias. E a chave
do desejo. Erecta dureza doadora
do óleo e da viagem
aos lugares da origem
e do êxtase. Resposta
da terra contra a terra.

E a surpresa ensina e desvenda
as partes mais antigas da alegria
dupla, densa, nadadora, nossa.

Vítor Matos e Sá, in 'Companhia Violenta'

19.10.11

Quanto vale nesta hora...



Preito

É lei do tempo, Senhora,
Que ninguém domine agora
E todos queiram reinar.
Quanto vale nesta hora
Um vassalo bem sujeito,
Leal de homenage e preito
E fácil de governar?

Pois o tal sou eu, Senhora:
E aqui juro e firmo agora
Que a um despótico reinar
Me rendo todo nesta hora,
Que a liberdade sujeito...
Não a reis! - outro é meu preito:
Anjos me hão-de governar.

Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'

2.10.11

Solidão...



Três Poemas da Solidão

I

Nem aqui nem ali: em parte alguma.
Não é este ou aquele o meu lugar.
Desço à praia, mergulho as mãos no mar,
mas do mar, nos meus dedos, fica a espuma.

Meu jardim, minha cerca, meu pomar.
Perpassa a Ideia e mói, como verruma.
Falar mas para quê? Só por falar?
Já nada quer dizer coisa nenhuma.

Os instintos à solta, como feras,
e eu a pensar em velhas primaveras,
no antigo sortilégio das palavras.

Agora é tudo igual, prazer e dor,
e a tua sementeira não dá flor,
ó triste solidão que as almas lavras.

II

Tão só!
Cada vez são mais longos os caminhos
que me levam à gente.
(E os pensamentos fechados em gaiolas,
as ideias em jaulas.)

Ah, não fujam de mim!
Não mordo, não arranho.
Direi:
— «Pois não! Ora essa! Tem razão».

Entanto, na gaiola,
cantarão em silêncio
os sonhos, as ideias,
como pássaros mudos.

III

Solidão.
A multidão em volta
e o pensamento à solta
como alado corcel.
E as ideias dispersas, em tropel,
como folhas ao vento
pétalas do Pensamento.

Solidão.
A angústia da Cidade,
a impossível procura da Unidade,
o clamor
do silêncio interior,
mais pungente, estridente,
que os bárbaros ruídos
que ferem, dilaceram
os nervos e os sentidos.

Fernanda de Castro, in "E Eu, Saudosa, Saudosa"

1.10.11

Luzes...



O Caos do Sonho

Estou deitado no sonho não
perturbes o caos que me constrói
Afasta a tua mão

das pálpebras molhadas
Debaixo delas passa
a água das imagens

Gastão Cruz, in "Órgão de Luzes"

30.9.11

nada é eterno, nada sobrevive...



As Coisas Transitórias

Irmão,
nada é eterno, nada sobrevive.
Recorda isto, e alegra-te.

A nossa vida
não é só a carga dos anos.
A nossa vereda
não é só o caminho interminável.
Nenhum poeta tem o dever
de cantar a antiga canção.
A flor murcha e morre;
mas aquele que a leva
não deve chorá-la sempre...
Irmão, recorda isto, e alegra-te.

Chegará um silêncio absoluto,
e, então, a música será perfeita.
A vida inclinar-se-á ao poente
para afogar-se em sombras doiradas.
O amor há-de ser chamado do seu jogo
para beber o sofrimento
e subir ao céu das lágrimas ...
Irmão, recorda isto, e alegra-te.

Apanhemos, no ar, as nossas flores,
não no-las arrebate o vento que passa.
Arde-nos o sangue e brilham nossos olhos
roubando beijos que murchariam
se os esquecêssemos.

É ânsia a nossa vida
e força o nosso desejo,
porque o tempo toca a finados.
Irmão, recorda isto, e alegra-te.

Não podemos, num momento, abraçar as coisas,
parti-las e atirá-las ao chão.
Passam rápidas as horas,
com os sonhos debaixo do manto.
A vida, infindável para o trabalho
e para o fastio,
dá-nos apenas um dia para o amor.
Irmão, recorda isto, e alegra-te.

Sabe-nos bem a beleza
porque a sua dança volúvel
é o ritmo das nossas vidas.
Gostamos da sabedoria
porque não temos sempre de a acabar.
No eterno tudo está feito e concluído,
mas as flores da ilusão terrena
são eternamente frescas,
por causa da morte.
Irmão, recorda isto, e alegra-te.

Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"

24.9.11

Porta silenciosa...



Na Casa Defronte

Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!

Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não sou eu.

As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.

As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.

Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.

Que grande felicidade não ser eu!

Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.

Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.

Nada! Não sei...
Um nada que dói...

Álvaro de Campos

18.9.11

Mudança constante...



Não Me Sinto Mudar

Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos
cada dia mais raros são os meus cepticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo

mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.

Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.

As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.

Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem de mais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.

Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.

Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.

Pablo Neruda, in 'Cadernos de Temuco'

31.8.11

Os dois...





O Homem e o Mar

Homem livre, o oceano é um espelho fulgente
Que tu sempre hás-de amar. No seu dorso agitado,
Como em puro cristal, contemplas, retratado,
Teu íntimo sentir, teu coração ardente.

Gostas de te banhar na tua própria imagem.
Dás-lhe beijo até, e, às vezes, teus gemidos
Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos,
As queixas que ele diz em mística linguagem.

Vós sois, ambos os dois, discretos tenebrosos;
Homem, ninguém sondou teus negros paroxismos,
Ó mar, ninguém conhece os teus fundos abismos;
Os segredos guardais, avaros, receosos!

E há séculos mil, séc'ulos inumeráveis,
Que os dois vos combateis n'uma luta selvagem,
De tal modo gostais n'uma luta selvagem,
Eternos lutador's ó irmãos implacáveis!

Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"

30.8.11

Diálogo mudo...



O Constante Diálogo

Há tantos diálogos

Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado

Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as ideias
o sonho
o passado
o mais que futuro

Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'


27.8.11

Festival do Castanho - Montalegre



Apresento em seguida os meus trabalhos resultantes do Workshop de fotografia orientado por Nigel French.
Destes duas das minhas fotografias "determination" e "time" estiveram entre as 3 mais pontuadas.
Os titulos das fotografias correspondem aos 15 temas que tivemos de trabalhar ao longo destes dias...


Youth



Unbelievable



Time



Thoughtful



Texture



Safety



Sadness



Music



Mirror



Love



Happiness



Forever



Determination



Danger



Comfortable




24.8.11

Momentos simples...



Simplicidade

Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.

Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;

Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...

Tudo isso eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.

Pedro Homem de Mello, in "Estrela Morta"

23.8.11

Porta verde...



Casa Abandonada

Minha saudade não larga
Certa casa abandonada.
E sinto, na boca, amarga,
Essa lágrima chorada
Quando a deixei...

Caía, de leve, a tarde...
E, olhando para trás, vi
Aquela porta fechada.

Nesse momento, senti
Pesar-me a fatalidade
De toda a Vida passada.

Arde
Ainda, nos meus olhos,
A luz do sol que brilhava
Na janela.
Era uma luz amarela;
Uma luz de fim da tarde
Que ainda trago nos olhos...

Ficava ali,
Por detrás da porta verde,
Tudo o que a vida nos perde,
Enquanto nos vai gastando...

E triste e só me parti;
Quem sabe que outros Destinos,
Dolorosos ou divinos,
Procurando...

Francisco Bugalho, in "Margens"

22.8.11

Silêncio, Nostalgia...



Silêncio, Nostalgia...

Silêncio, nostalgia...
Hora morta, desfolhada,
sem dor, sem alegria,
pelo tempo abandonada.

Luz de Outono, fria, fria...
Hora inútil e sombria
de abandono.
Não sei se é tédio, sono,
silêncio ou nostalgia.

Interminável dia
de indizíveis cansaços,
de funda melancolia.
Sem rumo para os meus passos,
para que servem meus braços,
nesta hora fria, fria?

Fernanda de Castro, in "Trinta e Nove Poemas"

21.8.11

Fogo na alma...


Boticas
Agosto 2011
© Ana Luisa Pires Monteiro


Os Instantes Superiores da Alma

Os instantes Superiores da Alma
Acontecem-lhe - na solidão -
Quando o amigo - e a ocasião Terrena
Se retiram para muito longe -

Ou quando - Ela Própria - subiu
A um plano tão alto
Para Reconhecer menos
Do que a sua Omnipotência -

Essa Abolição Mortal
É rara - mas tão bela
Como Aparição - sujeita
A um Ar Absoluto -

Revelação da Eternidade
Aos seus favoritos - bem poucos -
A Gigantesca substância
Da Imortalidade

Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas

20.8.11

Loucura sem fim...


Porto
Julho 2011
© Ana Luisa Pires Monteiro


Esta Espécie de Loucura

Esta espécie de loucura
Que é pouco chamar talento
E que brilha em mim, na escura
Confusão do pensamento,

Não me traz felicidade;
Porque, enfim, sempre haverá
Sol ou sombra na cidade.
Mas em mim não sei o que há

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

19.8.11

Auto retrato I ...


2011
© Ana Luisa Pires Monteiro


Quando um dia perguntei "se eu fosse um poema, qual sería?", a resposta foi esta:

Cântico negro


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio

Se não concordarem, digam-me qual é que eu sería???
Podem enviar para analuisapiresmonteiro@gmail.com

18.8.11

Ao fim de uma tarde...


Apúlia
Julho 2011
© Ana Luisa Pires Monteiro


Todas as Opiniões que Há sobre a Natureza

Todas as opiniões que há sobre a Natureza
Nunca fizeram crescer uma erva ou nascer uma flor.
Toda a sabedoria a respeito das cousas
Nunca foi cousa em que pudesse pegar como nas cousas;
Se a ciência quer ser verdadeira,
Que ciência mais verdadeira que a das cousas sem ciência?

Fecho os olhos e a terra dura sobre que me deito
Tem uma realidade tão real que até as minhas costas a sentem.
Não preciso de raciocínio onde tenho espáduas.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

17.8.11

Medo...



O Pior Medo é o Medo de Nós Próprios

O medo é muitas vezes o muro que impede as pessoas de fazerem uma série de coisas. Claro que o medo também pode ser positivo, em certa medida ajuda a que se equilibrem alguns elementos e se tenham certas coisas em consideração, mas na maior parte dos casos é negativo, é algo que nos faz mal. (...) O pior medo é o medo de nós próprios e a pior opressão é a auto-opressão. Antes de se tentar lutar contra qualquer outra coisa, penso que é importante lutarmos contra ela e conquistarmos a liberdade de não termos medo de nós próprios.

José Luís Peixoto

16.8.11

Identidade...



Identidade

Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.

Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.

Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.

Miguel Torga, in 'Penas do Purgatório'

15.8.11

Desesperança...



Desesperança

Vai-te na aza negra da desgraça,
Pensamento de amor, sombra d'uma hora,
Que abracei com delírio, vai-te, embora,
Como nuvem que o vento impele... e passa.

Que arrojemos de nós quem mais se abraça,
Com mais ancia, á nossa alma! e quem devora
D'essa alma o sangue, com que vigora,
Como amigo comungue á mesma taça!

Que seja sonho apenas a esperança,
Enquanto a dor eternamente assiste.
E só engano nunca a desventura!

Se era silêncio sofrer fora vingança!..
Envolve-te em ti mesma, ó alma triste,
Talvez sem esperança haja ventura!

Antero de Quental, in 'Sonetos'

14.8.11

A neve...



A Neve

A NEVE PÔS uma toalha calada sobre tudo.
Não se sente senão o que se passa dentro de casa.
Embrulho-me num cobertor e não penso sequer em pensar.
Sinto um gozo de animal e vagamente penso,
E adormeço sem menos utilidade que todas as ações do mundo.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

11.8.11

Podemos Crer-nos Livres...


Carvalhelhos
© Ana Luisa Pires Monteiro


Podemos Crer-nos Livres

Aqui, Neera, longe
De homens e de cidades,
Por ninguém nos tolher
O passo, nem vedarem
A nossa vista as casas,
Podemos crer-nos livres.

Bem sei, é flava, que inda
Nos tolhe a vida o corpo,
E não temos a mão
Onde temos a alma;
Bem sei que mesmo aqui
Se nos gasta esta carne
Que os deuses concederam
Ao estado antes de Averno.

Mas aqui não nos prendem
Mais coisas do que a vida,
Mãos alheias não tomam
Do nosso braço, ou passos
Humanos se atravessam
Pelo nosso caminho.

Não nos sentimos presos
Senão com pensarmos nisso,
Por isso não pensemos
E deixemo-nos crer
Na inteira liberdade
Que é a ilusão que agora
Nos torna iguais dos deuses.

Ricardo Reis, in "Odes"